Episódio 1: CRISPR

Episódio 1: CRISPR

Referências:

http://cshprotocols.cshlp.org/content/2016/2/pdb.prot090704.full#xref-fn-1-1

http://www.sciencemag.org/news/2015/12/crispr-helps-heal-mice-muscular-dystrophy

http://revistapesquisa.fapesp.br/2016/02/19/uma-ferramenta-para-editar-o-dna/

http://www.ted.com/talks/jennifer_doudna_we_can_now_edit_our_dna_but_let_s_do_it_wisely?utm_source=newsletter_weekly_2015-10-24&utm_campaign=newsletter_weekly&utm_medium=email&utm_content=talk_of_the_week_image

http://ideas.ted.com/the-promising-and-perilous-science-of-gene-editing/

Comentários:

[1] Desculpem pela má qualidade do som, gravamos sem microfone, mas foi só dessa vez, melhora! Vale a pena porque é engraçado.

[2] De acordo com a Wikipedia, o Aedes aegypti transmite, sim, a febre amarela. Então a Bárbara tava certa!

[3] Recebemos uma cartinha do Sr. Cassiano Carromeu:

“Olá Attalya!

Perdoe-me pela demora e obrigado por me lembrar! Tem sido dias corridos do lado de cá! Como fiquei de responder por e-mail, temo que não responda de forma correta o que me pediu. Em sendo assim, não hesite em me contactar.

Primeiramente, gostaria de me introduzir para lhe situar onde estou com o uso da tecnologia de CRISPR/Cas9: sou neurocientista brasileiro há 6 anos nos EUA. Estudo doenças do neurodesenvolvimento, em especial autismo, usando células-tronco pluripotentes induzidas (do inglês: induced Pluripotent Stem Cells ou iPSCs). Desenvolvo redes neurais humanas in vitro para desvendar os porquês do neurônio autista se comportar diferentemente dos controles. Venho tendo sucesso com meu suor aqui, com trabalhos destacados nas principais revistas da área.

Quanto ao CRISPR/Cas9, cheguei a manipular uma iPSCs humana que continha uma duplicação da região genômica compreendendo o gene MECP2 (para maiores detalhes sobre a doença, por favor consulte o trabalho anexado aqui descrevendo a linhagem de duplicação que criei). Essa experiência com CRISPR não foi publicada nesse trabalho e estamos desenvolvendo mais estudos para publicar um novo trabalho com ela. De qlq forma, a idéia foi “nocautear” a expressão de um dos genes duplicados na síndrome, transformando a célula numa célula normal. Nosso laboratório já criou outras linhagens celulares com essa tecnologia. Trata-se de um método poderoso para criar linhagens celulares controles (revertendo uma mutação deletéria do paciente, por exemplo) ou introduzir mutações específicas de doenças em células normais. Ou seja, a única diferença entre a linhagem celular criada e a original acaba sendo a mutação introduzida ou corrigida, criando duas linhagens celulares com background genéticos idênticos (com exceção de onde a CRISPR/Cas9 atuou).

Devo ressaltar que todas as manipulações que foram feitas no lab foram em linhagens de iPSCs. Ou seja, seria o equivalente à embrionária humana. De posse das iPSCs geneticamente modificadas, conseguimos derivar qualquer tecido do corpo humano para estudo. Logicamente, se é possível modificar iPSCs humanas, em teoria, vc poderia modificar um embrião humano (o que já foi feito recentemente: http://www.nature.com/news/chinese-scientists-genetically-modify-human-embryos-1.17378). Como toda tecnologia nova, pode-se usar a ciência tanto para curar quanto para destruir (a exemplo da fissão nuclear). Temos sim de travar discussões éticas sobre o assunto e fiscalizar para que sejam cumpridas, porém, devo ressaltar que nem sempre é tão fácil quanto parece.

Com a evolução da tecnologia, em breve poderemos reproduzir alguns experimentos no conforto de casa (como já é o caso de experimentos com bactérias, por exemplo). Porém, acredito que o uso inadequado em casa pode demorar um pouco mais, dado CRISPR ainda requerer ferramentas especializadas, como por exemplo um vetor viral para ser introduzido em células com eficiência. O maior foco de preocupação agora reside nas mãos dos cientistas. Essa tecnologia nos permitiria corrigir diversas doenças causadas por mutações em um único gene (CRISPR tmb pode ser usada para corrigir diversos genes, mas é mais complicado; conheço um grupo que usou para introduzir mutações em diversos pontos do genoma). O problema é saber onde se encontra a linha da ética em relação ao que podemos alterar. E me preocupa que, em sendo uma tecnologia tão nova, talvez nunca estejamos cientes das implicações de nossos atos. Lembro-me do filme GATACA toda vez que uma discussão como essa começa. De minha parte, dou suporte a todo tipo de pesquisa in vitro visando o estudo de doenças e discussão sobre o que fazer (ou não fazer) in vivo.

Só para finalizar, gostaria de lembrar que técnicas de manipulação do genoma estão disponíveis a algum tempo (Zinc Finger e TALEN). A maior diferença entre elas e CRISPR é a eficiência da quebra do genoma e a especificidade. Mesmo assim, elas já tornaram possível a criação de diversas linhagens celulares. Como toda nova tecnologia, o futuro incerto nos deixa meio desconfortáveis. Porém, temos avançado bem como espécie a cada novo paradigma que nos deparamos. Não acredito que com a tecnologia de CRISPR/Cas9 será muito diferente e tenho certeza que essa tecnologia veio para somar positivamente no arsenal de ferramentas que possuímos para estudar as diversas doenças humanas.

Por favor, sinta-se a vontade para me contactar.

Uma ótima noite,

Cassiano.”

PS: Muito obrigada, Cassiano!

[4] Recebemos um texto do Sr. Gustavo Rodrigues Rosa sobre transumanismo:

“Meu nome é Gustavo Rodrigues Rosa, sou bacharel em Direito e atualmente sou mestrando em um programa de pós-gradução no qual minha dissertação envolve o tema ‘transumanismo’.

Vou escolher o tema ‘transumano’ como fundamento para a discussão entorno da técnica do ‘CRISPR-Cas 9’, discussão essa que adentra no campo moral das possibilidades científicas perante a biologia dos corpos humanos.

O ‘transumanismo’ em resumo é um movimento intelectual, desenvolvido gradualmente nas ultimas três décadas, que defende o uso das tecnologias médicas e outras tecnologias afins para objetivos não somente terápicos – ‘transumanismo’ é a defesa de um uso adicional para o aumento das capacidades humanas – ou seja – aplicar o conhecimento e a técnica sobre o corpo humano não somente para remediações, mas também para modificar as condições biológicas do corpo e mente (geralmente para aumentar atributos competitivos como a cognição, a memória, o vigor físico, o vigor sexual, ou até mesmo criar novas formas de ser, etc).

O tema ‘transumano’ é completamente dialogante com os temores advindos da técnica do ‘CRISPR-Cas 9’. Temor é uma palavra fundamental. O fato de se categorizar que uma capacidade, uma técnica, de manipulação das estruturas da natureza é um temor ou não, é o interessante a discussão.

As posições sobre o uso das técnicas de manipulação da natureza (quando digo natureza, digo a natureza interna, a biologia dos corpos humanos) – as posições quanto a isso – penso, sempre vão se dividir entre ‘conservadoras’ e ‘não conservadoras’, é uma divisão justamente já em ocorrência desde os primeiros transplantes de coração, inseminações artificiais, e mais recentemente, nas pesquisas com células tronco, acompanhadas de seus apoiadores e seus proibidores. Porém, até agora, estas e outras atividades médicas, foram técnicas de objetivo remediativo, foram de criar uma façanha, que por mais que seja façanha, reduzia-se a simplesmente manusear um ser humano portador de uma falta em sua natureza e coloca-lo na posição “normal” – ou seja – por exemplo, normalizar com inseminação a mulher, que por ser mulher, supostamente geraria filhos, desejava isso, mas uma anormalidade lhe afetava essa capacidade. Normalizar o doente cardíaco com um coração novo. Normalizar, com células tronco, aquele que sofre alguma degeneração. Tudo na medicina, por mais que haja façanha, se trata de normalização.

A técnica do ‘CRISPR-Cas 9’ também se situa no objetivo da normalização, da terapia, mas sua versatilidade, acurácia na edição genética (que era grande problema de segurança, agora supostamente melhorado) e baixo custo dos materiais necessários, parece trazer nova possibilidade à vontade além da terapia. Assim, é aqui, retirando os aspectos de segurança, que reside o problema mais frutífero ao debate – é o problema moral.

Divido o problema moral a partir das duas perspectivas, a dos ‘conservadores’ (aquele que é geralmente contra qualquer façanha científica perante a natureza), e a dos ‘não conservadores’ (geralmente entusiastas das façanhas científicas perante a natureza). O problema em ambos reside na resposta a seguinte pergunta: – É moral manusear a natureza humana além do necessário terápico?

O trabalho para responder essa pergunta é historicamente mais prontamente cooptado por posições ‘conservadoras’ certas e imperativas já culturalmente estabelecidas no geral. Essa imperatividade surgiu de modo justificável no pós segunda-guerra, evidentemente visando criar forte barreira aos terríveis experimentos da segregação política humana não só cometidos pelo nazistas, mas cometidos pela ciência anti-ética de qualquer marca ou denominação. Porém, com a passagem do tempo, já estabelecida uma normativa ética/bioética base (que usufruímos hoje), as vontades além da terapia tomaram rumos menos políticos, menos eugenistas no sentido segregacionista, e sim rumos mais individualistas, culturais e competitivos que trouxeram preocupações, agora, de natureza crítica ao capitalismo – como a relação ‘ser humano’ e os ‘objetos de mercado’ em que o ser humano poderia ser tornar novo objeto. Atualmente então, os usos além terápicos das técnicas médicas ou afins são da ordem do ‘ser humano e a máquina’, do ‘cyborg e cybercultura’ – A “eugenia” hoje é a “eugenia” da modificação corporal para ‘hackiar’ o corpo e a mente, para fabricar novas identidades, para expressar-se culturalmente, e é claro para aumentar capacidades competitivas (veja-se os nootrópicos, fármacos para aumentar concentração e cognição, supostamente já usados por operadores do mercado financeiro, estudantes de concursos e outros).

O problema moral sobre o uso além terápico das técnicas biológicas, então segue um histórico de reação perante os segregacionismos do passado até as preocupações sociológicas mais atuais da possibilidade do ‘hackiamento’ do ser humano. O trabalho para responder a pergunta do problema moral da ‘além terapia’ é uma das atividades do transumanismo. Os transumanistas advogam, dentro de suas variações políticas, que os seres humanos deveriam ter o direito a ‘liberdade morfológica’, essa liberdade seria como uma nova liberdade civil, um outro tipo de ferramenta para mobilidade social – manipular a natureza interna para modificar ou criar novas capacidades humanas de forma que seria mais um instrumento de identidade e competitividade não muito diferente dos instrumentos de refinamento que os seres humanos modernos já se inserem, como a necessidade de alfabetizar-se, capacitar-se em cursos formais, faculdades, refinamentos culturais, conquistar um espaço urbano.

Transumanistas não veem diferença moral, em utilizar, além do ferramentário do humanismo refinador, utilizar também as modificações corporais e mentais que por ventura algumas tecnologias médicas possam tornar possível, incluindo agora no momento, de modo mais enfático, pela suposta facilidade, a técnica do ‘CRISPR-Cas 9’ para editar genes.

Do lado ‘não conservador’ coloco a posição dos transumanistas, que significa não reconhecer uma diferença moral entre o refinamento humano (já praticado pela sociedade moderna) e o refinamento (possível futuramente) causado por intervenções diretas na natureza humana interna desde que consentida, planejada e acessibilizada, ou através do livre mercado ou através de uma aliança entre mercado, regulações governamentais, quebras de patentes e serviços públicos. A acessibilidade da população comum para aplicar modificações corpóreas em si de acordo com um direito suposto direito a ‘liberdade morfológica’, resta numa discussão econômica, sociológica, que navega da tanto na ‘esquerda’ quanto pela ‘direita’ sobre que planos deveriam ser feitos.

A opinião conservadora quanto as vontades além da terapia, por outro lado costuma rediscutir a questão da segurança sobre a técnica, e estabelece também as premissas de intocabilidade ou até mesmo sacralidade da natureza humana interna, pois de acordo com essa posição, ocorre o imperativo quase que indiscutível de que não é moral o manuseio do corpo e mente humanas para resultados além da terapia – isso é posto como uma proteção contra os segregacionismos e os problemas do ser humano como objeto.

Hoje politicamente, tanto na questão das opiniões gerais da população e opiniões doutrinárias jurídicas, e religiosas, quanto nas estruturas das leis, órgãos e comitês, a posição conservadora permanece. Para os efeitos da técnica ‘CRISPR-Cas 9’, para propósitos além da terapia, o Código de Ética Médica expressa em seu artigo 15, que o médico não deve realizar procriação medicamente assistida com objetivos de criar seres humanos geneticamente modificados ou criar embriões com finalidades de escolha de sexo, eugenia ou para originar híbridos ou quimeras (essa ultima parte da letra da lei, tocante a híbridos e quimeras, revela um temor jurídico estranho, talvez pouco cientificamente alfabetizado sobre as possibilidade reais da engenharia genética) – mas de todo modo, é uma letra assertiva contra qualquer manuseio não terápico ou além terápico do DNA humano e tem muita força protetiva. Outra lei de peso, é a lei de biossegurança que em seu artigo 6 expressa que é proibida a engenharia genética humana em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano, assim como clonagem humana. Essas leis norteiam os conselhos e comitês de ética para toda pesquisa genética humana e para toda atividade médica que evolva genética humana. O descumprimento dessas proibições legais acarreta sérias sanções penais.

Não há nenhum movimento político, ou tendência de entendimento doutrinário, nenhuma movimentação biopolítica ou bioética em direção ao uso além terápico das tecnologias médica afins, especialmente as tecnologias genéticas.

Em conclusão, o mundo bioético e biopolitico se vê hoje estruturalmente definido no conservadorismo enquanto que alguns movimentos intelectuais como o ‘transumanismo’ começam a ensaiar uma justificativa para o ‘hackiamento humano’ (a nova “eugenia”). As vistas das possibilidades de um técnica com a da ‘CRISPR-Cas 9’ vemos hoje um campo de discussão acadêmica se abrindo e discutindo as problemáticas sociológicas, principalmente de mercado, permeando o futuro incerto da biopolítica humana. Até quando os sistemas jurídicos, as leis, serão apenas reativas nos moldes do conservadorismo? Até quando a natureza humana deverá ser refinada apenas pelas estruturas externas já postas? A técnica da ‘CRISPR-Cas 9’ reacende esse debate que cada vez mais, mesmo que engatinhando, caminha para um ‘não conservadorismo’ pelo menos em alguns segmentos. E, não há resposta alguma, ainda, para todas as perguntas morais e sobre futuro postas aqui. O desafio é mesmo alfabetizar o mundo acadêmico e político sobre essa controvérsia e estimular a livre discussão.”


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